Marcas chinesas merecem incentivos para montar carros no Brasil?


Pensei em escrever sobre outra coisa, mas o tema desta coluna não poderia deixar de ser diferente. Tenho de abordar a alteração dos impostos para os regimes de SKD (veículos semidesmontados) e CKD (veículos desmontados).
A chinesa BYD finalmente apresentou a fábrica em Camaçari (BA) em julho passado, no local da antiga unidade da Ford. O evento contou com ampla cobertura da imprensa nacional. A empresa divulgou que tinha como objetivo produzir 12.500 veículos por mês (150 mil por ano), iniciando pelos modelos Dolphin Mini e BYD Song Plus pelo regime SKD. Vale lembrar que o local ainda não está operando.
Trocando em miúdos, os veículos chegam prontos da China, mas desmontados. Com o passar do tempo, no entanto, a companhia passará a adotar alguns processos locais, migrará para CKD e, finalmente, produzir efetivamente em solo brasileiro. A BYD diz que pretende alcançar mais de 50% de nacionalização de partes e peças até 2027. A ver.
BYD prometeu montagem inicial de veículos no Brasil em regime SKD
André Paixão/Autoesporte
Particularmente não vejo qualquer problema nessa rota. Quase todas as fabricantes tradicionais começaram da mesma forma: importando inicialmente, sentindo e entendendo o mercado brasileiro, passando em sua maioria pelo SKD, depois pelo CKD e, finalmente, produzindo localmente.
“Ah, mas os tempos eram outros”, diriam uns. “Mas não tinha dinheiro de governo envolvido”, diriam outros.
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Vamos recapitular alguns pontos… E isso não é nenhuma crítica, serve apenas para afirmar que sempre houve investimento do governo em setores econômicos importantes para o desenvolvimento. GM, Ford e Chrysler não seriam as mesmas empresas hoje não houvesse ajuda do governo norte-americano.
Governo da França tem 15% da Renault
Christophe Jumez/Autoesporte
O governo francês, bom lembrar, tem cerca de 15% das ações do Grupo Renault, por conta da nacionalização ocorrida na Segunda Guerra Mundial e interesses governamentais. A Baixa Saxônia (Niedersachsen) tem 11,8% das ações da Volkswagen AG; a Stellantis tem entre 2 e 5% de participação italiana por intermédio do CDP (Cassa Depositi e Prestiti) desde 2024 e por volta de 6% da empresa é da França pelo Bpifrance.
No Brasil, tudo igual
Por aqui não foi diferente. Em 1956, o governo Juscelino Kubitschek lançou o plano “50 anos em 5” e a indústria automobilística desempenhou papel relevante. Entre tantas definições, o programa tinha como parte da estratégia o investimento em autopeças com fabricação nacional para possibilitar que as montadoras de automóveis aumentassem o índice de localização dos produtos que comercializavam por aqui. Assim foi criado o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (Geia), para organizar e incentivar a produção de veículos no país.
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As coisas não mudaram tanto nos últimos anos. Com incentivos indiretos maciços via IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e com a indústria automobilística brasileira, por diversos motivos (uns justificáveis e outros não), sem investir em eletrificação mesmo com o imposto de importação destes produtos estarem zerados de 2015 a 2023, surgiu uma nova defasagem tecnológica de nossa indústria em relação ao que já acontecia em nível mundial.
Fábrica da GWM em Iracemápolis (SP) com presença do presidente Lula (PT): unidade já fez primeiro modelo em série
Divulgação/GWM
Por isso eu não gosto do IPI. Já falei sobre isso em minhas colunas algumas vezes. Trata-se de um imposto que atua na ponta e não deixa legado na indústria, na logística e nem na cadeia de distribuição (concessionários). Ele cumpre seu papel de ajudar a girar o mercado, regular os estoques e apoiar a melhora econômica em determinados momentos, mas não deixa, na maioria das vezes, qualquer desenvolvimento (dos últimos na década de 1990, quando os motores 1.0 surgiram; depois, para incentivar o Flex no início dos anos 2000).
A chegada das chinesas
Pois bem… A chegada de duas empresas chinesas, a BYD e a GWM, causou um verdadeiro incômodo na indústria tradicional. Muitos veículos tiveram descontos consideráveis; afinal, estavam lidando com produtos diferentes daqueles do início deste século. Agora temos automóveis tecnológicos, com qualidade, segurança (Adas), preço competitivo e em sua maioria eletrificados.
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Lembra-se que a indústria nacional pouco se desenvolveu, estava defasada? Nos segmentos e preços onde os chineses chegaram, eles incomodaram. Então a pressão começou… O próprio vice-presidente, Geraldo Alckmin, disse, em outras palavras, que as alíquotas de importação dos veículos eletrificados passarão a 35% por pressão das montadoras tradicionais afiliadas a Anfavea.
Quem lê as minhas colunas sabe que normalmente sou contra alterar a regra do jogo com ele em andamento, por mais que isso atrapalhe a nossa indústria. Mas, nos dias de hoje, em função de canetadas em diversos países no mundo, estou revendo minha posição.
Os veículos SKD e CKD estavam com alíquotas de importação diferenciadas e em elevação gradual até os 35% em julho de 2028; atualmente encontram-se por volta dos 27%, a depender do tipo de motorização.
E por que toda a polêmica?
Em resumo, a BYD pleiteava junto ao governo federal benefícios tributários extras e temporários com respeito a importação de veículos eletrificados montados em SKD ou CKD até que sua fábrica ficasse pronta. A justificativa do pleito era a de que a alteração da regra do IPI mudaria seu planejamento; e a empresa buscava a isenção aos veículos para compensar de alguma forma tais prejuízos enquanto não tinha sua unidade de Camaçari concluída.
Por outro lado a Anfavea contra-argumentava que, se o Executivo autorizasse tal concessão, a BYD nunca fabricaria localmente e ameaçou demitir empregados, reduzir investimentos, diminuir produção… Afinal, as empresas pela entidade representadas são responsáveis por aproximadamente 2,5% do PIB total brasileiro e 20% do PIB Industrial.
O anúncio do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) indicava num primeiro momento que o pleito atenderia todas as partes, cedendo um pouco para cada uma. Todavia, após a publicação da decisão, ficou claro que a Anfavea ganhou. Ao menos nas entrelinhas.
Em resumo, veículos SKD e CKD passam a recolher imposto de importação de 35% a partir de janeiro de 2027; um ano e meio antes do originalmente programado (julho de 2028). Por outro lado, estes mesmos veículos terão isenção de alíquotas de importação por seis meses com limite de valor de US$ 463 milhões. O que ninguém disse é que esse montante representa somente pouco mais de 11.000 veículos elétricos a um tíquete médio de R$ 220 mil. O que é muito pouco.
O ponto positivo é que até 2028 as duas citadas empresas chinesas já estarão em estágio mais avançado em relação às suas fábricas. A GWM, aparentemente, até um pouco mais à frente que a rival.
Vamos aguardar o desenrolar de mais este embate.
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